sábado, maio 21, 2011

A acção das Milícias de Basto (Conclusão)


Continuação do trabalho publicado em 053 - Milícias de Basto

Nos finais do século XVIII e primórdios do século XIX, a situação em Portugal era consternadora. Este período foi marcado profundamente pelo movimento revolucionário francês de 1789 que culminou na expansão e conquista delineada por Napoleão Bonaparte entre 1803 e 1814.
A Coroa tomou algumas medidas contra a proliferação das ideias revolucionárias no seio dos grupos mais esclarecidos em Portugal, nomeadamente a maçonaria e os intelectuais. Por outro lado, vivia-se uma época de instabilidade politica e militar, e neste contexto vamos referenciar o conteúdo do Alvará de 21 de Outubro de 1807, em que o Corpo de ordenanças foi reorganizado, estabelecendo a divisão do Reino em sete governos (províncias), nas quais se implantaram 24 Brigadas de Ordenanças, correspondentes aos 24 Regimentos de Infantaria da Linha.
Assim, determinadas pelo Alvará de 21/10/1807 foram constituídos sete Governos Militares do Reino, a saber:
- Governo da Província do Minho
Tinha os seguintes limites:
Ao Norte. O Rio Minho
Ao Poente. O Oceano desde a Foz do Rio Minho até à Foz do Rio Ave.
Ao Sul. O Rio Ave desde a sua Foz até à Foz do Vizella, o mesmo Rio Vizella até à Ponte de Negrellos; os Termos de Guimarães, os dos Concelhos de Felgueiras, Unhão e Louzada; o Rio Sousa desde a Foz de Mezio até ao Concelho de Santa Cruz; o Termo deste Concelho, o de Canavezes, e o de Tuyas; o do Couto de Taboado, o dos Concelhos de Gouvea e Gestaço
Ao Nasceste. O Termo do Concelho de Gestaço, o da Honra da Ovelha do Marão, a Freguesia de Rebordelo, e a parte da de Paradança, que pertence ao Concelho de Celorico de Basto, o Rio Tâmega desde a freguesia de Rebordelo até à Freguesia do Villar do Concelho de Cabeceiras de Basto, o Termo do Concelho de Cabeceiras de Basto, e o do Couro de Abadim, que fica encravado no Concelho de Cabeceiras de Basto; os Termos dos Concelhos de Rosas, de Vieira, de Ribeira de Suás, das Terras do Bouro, de Lindoso, de Suajo, e de Castelo Laboreiro, o Couto de Fiães, e o do Concelho de Melgaço”.

- Governo da Província de Trás-os-Montes
Ao Norte. A Raia de Espanha.
Ao Poente. Os Termos de Barqueiros, Mesão Frio, Teixeira, Santa Marta, Vila Real, Ermello, Mondim, Atey, Serva, Ribeira de Pena, Ruivães, e Monte Alegre.
Ao Sul. O rio Douro
Ao Nascente. O rio Douro

- Governo do Partido do Porto

- Governo da Província da Beira.

- Governo da Província da Estremadura

- Governo da Província do Alentejo

- Governo do Reino do Algarve

Palácio de Mafra aos 21 de Outubro de 1807

Ass: António de Araújo de Azevedo”
(Secretário de Estado dos Negócios da Guerra)

As brigadas eram designadas pelos números dos regimentos de infantaria de linha, respectivos, seguido da designação dos seus regimentos milicianos.
As Ordenanças compreendiam todos os indivíduos aptos para o serviço militar que não faziam parte do exército regular e das milícias. Tratava-se de uma velha instituição que vinha já dos meados do século XVI e que se mantinham muito ligadas às câmaras das concelhos e vilas do Reino. Estas eram formadas por civis que, na teoria deveriam ter tempos mensais de instrução, mas, na prática, encontravam-se destituídos de qualquer instrução, armamento, uniforme e disciplina.


As tropas terrestres portuguesas eram compostas por forças de primeira, segunda e terceira linhas. As tropas de primeira linha, desde o último decreto (19/05/1806) que reformava o exército português, eram formadas por três divisões de âmbito geográfico: Norte, Centro e Sul. A cada divisão correspondiam 8 regimentos de infantaria, 4 regimentos de cavalaria e 1 de artilharia.
Após o alvará de 21 de Outubro de 1807 que dividiu o reino em 7 Governos Militares, (ver nº 272 d’O Povo de Basto) cada um tinha adstritas 24 brigadas de Ordenanças, sendo cada uma responsável pelo recrutamento para um regimento de infantaria de linha.
As tropas de segunda linha eram compostas por 48 regimentos de milícias. A Província do Minho tinha 8 regimentos de milícias, com sede em Arcos de Valdevez, Barcelos, Basto, Braga, Guimarães, Ponte da Barca, Viana e Vila do Conde.
As tropas de terceira linha eram compostas pelas Ordenanças, formadas pelos indivíduos aptos para o serviço militar mas que não faziam parte do exército regular e das milícias.

Neste período o Regimento das Milícias de Basto, tal como acontecia no resto do país, possuía poucas espingardas e de fraca qualidade, onde nem todos os soldados tinham equipamento completo.
Efectivamente, a situação do exército português deteriora-se ainda mais durante o ano de 1808, ao ser praticamente desmobilizado e desarmado por Junot.
Mas após a expulsão dos franceses em 1808, tomaram-se algumas medidas de reorganização do exército, nomeadamente a criação de batalhões de caçadores e o restabelecimento das milícias.
A Junta Provisional do Governo Supremo, sediada no Porto, procurou de imediato obter apoio junto da Inglaterra no fornecimento de armamento e junto da população apelou à cedência de espingardas, pistolas, espadas e cavalos.
No seguimento do movimento restaurador de Junho de 1808 foram criadas as Câmaras e Juntas, que tiveram um papel importante no contexto da restauração e reorganização na luta contra o invasor francês.
Os regimentos de milícias seriam compostos por 800 homens cada um, o que perfazia um total de 10800 soldados incorporados à Província do Minho.
Na sequência deste processo de reorganização da defesa, o Conselho de Regência de Lisboa, definiu a estrutura dos comandos dos estados-maiores portugueses, em que os do Norte do país foram entregues a Bernardino Freire de Andrade, que comandava o Partido do Porto e o Governo das Armas da Província do Minho, com 1400 homens de tropa da linha, 8 bocas de fogo e 8 regimentos de milícias, e ao Brigadeiro Francisco da Silveira, que comandava o Governo das Armas de Trás-os-Montes, tendo 2800 da tropa de linha e cerca de 10000 milicianos.
Foram estas as tropas que os exércitos de Soult enfrentaram em 1809.


Efectivamente em 1809, a acção militar francesa comandada pelo marechal Soult faz-se sentir no Norte do país, com maior incidência na província do Minho, sobretudo nos concelhos fronteiriços, até pelo facto da concentração das tropas francesas na Galiza.
Frustradas algumas tentativas de invasão através do rio Minho, Soult decide entrar em Portugal por Trás-os-Montes e conquista a praça de Chaves a 10 de Março, seguindo por Boticas e Salamonde até Braga.
No dia 20 de Março já tinham ocupado Braga e algumas vilas circunvizinhas. Chegam ao Porto a 29 do mesmo mês. Depois prosseguem a ocupação do Alto Minho, em direcção a Valença e daí até Viana o que lhes permitiu estabelecer ligação entre o Porto e Vigo, onde estava estacionado o resto do contingente de Soult, que não entrou em Portugal.
A época das Invasões Francesas e a sua passagem pelo Norte do país, designadamente na região do Tâmega, fez de Amarante, devido à sua posição estratégica relevante nas comunicações da cidade do Porto com o Douro e Trás-os-Montes, um local de concentração da força invasora na margem direita do rio, pois a vigilância da passagem na margem esquerda era assegurada pela resistência organizada na defesa da ponte, pelo brigadeiro Francisco da Silveira com as milícias e os populares.
As Milícias de Basto, neste período, eram comandadas pelo Coronel Francisco de Magalhães e pelo Tenente-Coronel Luís Pinto Machado Dá Mesquita, filho de José Pinto Machado, Capitão-mor de Gestaço e senhor da casa do Prado em Britelo, Celorico de Basto.
É neste contexto que este corpo militar, entre outras acções, enfrentaram os franceses na freguesia de Salto em conjunto com um batalhão de Infantaria; ajudaram a guardar as pontes de Mondim e Cavez e no sítio de Codeçais protegeram a passagem da “ restante tropa e os paisanas da vila a passar à margem esquerda do rio”.
Ainda na vila de Amarante, parte do regimento das Milícias de Basto posicionaram-se também por cima do Paço, na Eira do Paço e ao lado da capela da Senhora do Calvário até ao caminho dos Paus.
Foi em 18 de Abril de 1809 que a coluna do exército francês, comandada pelo general Loison (“o Maneta”) invadiu Amarante, na tentativa de atravessar o rio Tâmega.
No entanto a ponte estava defendida pelos soldados do General Silveira, que mais tarde ficou conhecido como 1º Conde de Amarante, em reconhecimento pelos feitos realizados.
Só passado 14 dias (18 de Abril a 2 de Maio de 1809) os franceses conseguiram atravessar a ponte, graças a uma manobra de diversão, colocando cargas explosivas que rebentaram de madrugada com grande estrépito, causando feridos e lançando o pânico entre os defensores.
A incursão francesa pelo Norte só termina depois da entrada no Porto das tropas nacionais e aliadas a 12 de Maio e da sua perseguição até à Galiza, que ocorreu a 17 de Maio de 1809.
No concelho de Celorico de Basto, segundo livros paroquiais, registaram-se 13 óbitos durante as Invasões Francesas.

A resistência militar portuguesa em Amarante, à força francesa comandada pelo general Loison, foi importante e, porventura, decisiva para o malogro da 2ª invasão francesa.
De facto o exército francês ficou sem condições de atingir o objectivo traçado, que era o de marchar sobre Lisboa de onde, entretanto, partira para norte o exército anglo-português, liderado pelo comandante-chefe Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington, que expulsou o Marechal Soult e as suas tropas do Porto em 12 de Maio de 1809.
Efectivamente as “Invasões francesas” fazem parte do imaginário da história política e militar portuguesa.
Todas as guerras têm as suas vítimas e os seus heróis. Ao terminar a abordagem da acção das Milícias de Basto nas invasões francesas, vamos lembrar duas figuras de relevo, nos confrontos ocorridos na região do Tâmega; uma dos comandos invasores, o General Henri Louis Loison “o Maneta” e a outra do lado da resistência portuguesa, o grande General Francisco da Silveira “o Conde de Amarante”, cuja estratégia contribuiu para a derrota e fuga de um dos maiores exércitos europeus.
Terminava assim a segunda invasão francesa.

Expressões que ficaram...

Algumas frases relacionadas com a ocupação francesa entraram no nosso dia-a-dia:

Saída/adeus à francesa
- Uma forma de abandonar um local pela calada, e que poucos se apercebam.

À grande e à francesa
- Uma vida de luxo e ostentação. Tem origem na forma luxuosa como Junot e os seus acompanhantes se passeavam pelas ruas de Lisboa.

Ir tudo para o maneta
- Alcunha com que ficou conhecido o general francês Henri-Louis Loison que em 1806 perdera o braço esquerdo num acidente de caça, e que em Portugal foi encarregado de várias expedições punitivas sobre as populações, sobre as quais usou de grande violência.

Ficar a ver navios
- Com a missão de deter D. João e a Corte portuguesa, Junot entrou em Portugal e em marcha forçada tentou chegar a Lisboa a tempo de prender o nosso Príncipe Regente. Ficou a ver os navios a sair a barra do Tejo rumo ao Brasil.